O Nico se confunde com o instrumento que ele tocou e conseguiu atingir um patamar muito alto. Era um músico de extrema habilidade e competência. Tinha uma rapidez de raciocínio impresssionante e inventava os grooves imediatamente. Me lembro que logo após a gravação de Zona de Fronteira (CD Zona de Fronteira - 1991) eu disse para ele: "Vamos fazer o Canecão por 2 semanas e vai ser só nós dois, baixo e violão. Na primeira parte a gente faz uma coisa acústica, com você no baixo acústico e na segunda parte você vai para o elétrico." Naquela época não era comum o Canecão abrir para shows com a agenda de 2 semanas.
O show foi antológico. Todo mundo que viu esse show se lembra com nitidez, que foi uma marca profunda. Até o Pat Metheny (guitarrista americano) quando se encontra comigo comenta sobre esse show. Realmente ele foi inesquecível.
Conheci o Nico quando tocava com o Milton Nascimento. Tocava com Milton, o Nico, o Luiz Avellar, o Ricardo Silveira. Houve uma temporada que eu fui tocar num festival de Jazz em Nice, na França. É uma cidade muito bonita, eu estava passeando pelo parque, admirando aquela bela paisagem e, ouvi num dos palcos, durante a passagem do som, alguém fazendo um solo de baixo. E eu acabei sendo atraído por aquele som. Eu não o conhecia, então eu fique lá vendo aquele moço tocar, me apresentei e acabei assistindo o show do Bituca. Depois disso eu continuei fazendo uma turnê pela Europa e quando fui à Espanha eu encontrei com o Nico, que estava lá assistindo o meu show. Acabando o show ele chegou até mim e me apresentou o Pat Metheny que estava com ele lá. Em certo momento da nossa conversa eu perguntei despretenciosamente: “Quando é que vamos tocar alguma coisa?” E ele respondeu: “Quando você quiser!” Essa disposição me impressionou e eu o convidei para gravar o próximo disco.
Entramos no estúdio para gravar Gagabirô e foi um momento muito especial, você pode perceber vendo a gravação do Bate um Balaio, tem isso aí no Youtube, com o César Camargo Mariano. Alí começou uma relação de 15 anos, com muita interação e troca de informação.
A partir de então a confiança mútua era tão grande que era ele quem arregimentava os músicos para me acompanhar tanto nas gravações como nos shows. Inicialmente ele me indicou o Ricardo Silveira e partimos em uma Turnê pelo Japão e depois pela Europa. O Ricardo precisou seguir outro caminho e o Nico me apresentou o Nelson Faria, depois o Kiko Freitas e antes dele o Robertinho Silva. Ele me conhecia profundamente então ele orientava os músicos durante a gravação, tipo, "faz assim que o João vai preferir" e o resultado era maravilhoso. Assim, além de orientar os músicos ele tomava a defesa do meu trabalho. Lembro que na gravação do disco Zona de Fronteira, o Bala (Carlos Bala - baterista) chegou para gravar a música Holofote. Passamos uma vez a música e na segunda passagem a gente já gravou. Eu falei para que a gente depois ouvisse o que foi feito. Quando terminou o Bala disse: “Vamos fazer a boa!” ai o Nico falou: “Essa aí é a boa, essa aí é que o cara (João Bosco) vai querer.” Isso serviu de lição para o Bala, que até hoje lembra que essa situação fez parte do aprendizado dele.
Nico tinha as opiniões dele e, conhecendo a sua personalidade preferia deixar ele mais solto, sabendo que tudo aquilo que ele fazia tinha haver com o instrumento dele, o contrabaixo.
Tocamos de tudo quanto é jeito, com orquestra, com banda, com trio, com duo e em todos os lugares possíveis. Me lembro em Barra do Piraí no Estado do Rio, nós não conhecíamos o lugar nem estávamos por dentro do evento, e tocávamos em dupla. De repente o carro vai encostando no estádio e o Nico viu que era uma exposição agropecuária e o carro foi encostando... e o Nico meio que duvidando que a gente fosse tocar ali, afinal, prevalecem em exposição agropecuária música sertaneja. Quando viu que era isso mesmo ele falou, vamos começar com Ronco da Cuíca. O locutor anuncia: “Agora com vocês, João Bosco e orquestra”. Nesse momento sobimos no palco eu e o Nico. Silêncio... Eu pego o microfone e falo: "A orquestra é só eu e ele, mas vocês vão ver o som que nós vamos fazer!!!” Foi um show incrível.
Em 1989 fomos gravar a canção Jade e chamamos o Maestro Eduardo Souto Neto para fazer os arranjos. Primeiramente gravaríamos eu, Nico e o Jurim (Jurim Moreira – baterista). Falei pro Nico que seria a gravação de uma música para novela e então mostrei a música prá ele em casa. O interessante é que toda a vez que eu mostrava uma música de estilo caribenho, ou um bolero, ele fazia um movimento com a mão como se estivesse remando um caiaque, balançando no suingue da música, isso é uma coisa que prá mim é muito característico no Nico e que jamais vou esquecer. “Vou fazer essa ai com fretless” ele disse. E nessa música tinha um chorus que a orquestra ia fazer. Como gravamos primeiro e foi assim de repente e direto, nesse chorus reservado para a orquestra o Nico começou a fazer aquele solo maravilhoso, que se tornou parte da música. Toda a vez que eu tenho que tocar essa música com um outro baixista eu falo para ele fazer exatamente igual ao que o Nico fez, porque até o público espera aquele solo. E normalmente eles concordam e fazem o solo daquele jeito, sem improvisar. E isso é o Nico, ele tomava a responsabilidade e fazia aquilo na hora. Eu passava as músicas com ele e ele escrevia as cifras e ainda escrevia as partituras para os bateristas tocarem.
Me impressionava no Nico a precisão e a percepção musical que ele tinha. Isso é um diferencial de um virtuose, de um gênio.
No nosso repertório tinha Holofotes e tinha um solo no final da música em que o Nico apresentou uma técnica e uma rapidez incrível. Eu apresentei essa música para o Nils Landgren, um trombonista sueco que ia gravar com a gente. O Nils ficou ouvindo o Holofotes e nós ficamos esperando. Ele não parava de ouvir a música, acabava a musica no ipod e ele voltava. "Quem fez esse solo?" ele perguntou. Respondi: "Foi o Nico, um baixista brasileiro." Ficamos duas horas esperando até que ele começou a tocar e no final fez o solo do Nico.
Agradeço muito a sorte por ter tido um cara com uma genialidade fora do comum, igual ao que eu presenciei na Elis Regina, que fomos parceiros por 10 anos.
O solista da dupla era ele, e ele sempre achava o seu espaço para solar, e eu além de cantar fazia as vezes algumas performances vocais e tal.
A maior contribuição que o Nico deixou foi a marca do músico. E esse legado foi mostrar que é possível chegar onde ele chegou, mesmo sendo difícil; ele se posicionou nesse degrau acima e desafia a todos a alcançá-lo. Nico foi o exemplo de muito trabalho e dedicação. Ele deixou o baixo num patamar e mostrou isso, viajando pelo mundo afora. Lá fora eles têm o Pastorius, aqui nós temos o Nico. Ele construiu para o baixo, uma história para o Brasil.